O Brasil apresenta um cenário singular em termos de recursos naturais, com grandes desafios e oportunidades no manejo sustentável do solo e da vegetação nativa. De acordo com o 3º Panorama do Código Florestal, elaborado pelo Centro de Sensoriamento Remoto da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o país possui aproximadamente 74 milhões de hectares de vegetação nativa em propriedades rurais que superam as exigências do Código Florestal e podem ser utilizados para gerar renda através do pagamento por serviços ambientais (PSA). Por outro lado, 21 milhões de hectares desmatados precisam ser restaurados ou compensados para atender às exigências legais. Somadas, essas áreas representam 95 milhões de hectares aguardando iniciativas que promovam tanto a restauração quanto o reconhecimento econômico pelo uso sustentável.
O Código Florestal e as Cotas de Reserva Ambiental
Revisado em 2012, o Código Florestal (Lei 12.651/2012) é a legislação que define as regras para a proteção da vegetação nativa no Brasil. Uma das exigências mais conhecidas é a manutenção de um percentual mínimo de vegetação nativa em cada propriedade rural, chamado de reserva legal. Os percentuais variam de acordo com a localização e o bioma da propriedade.
Quando a vegetação protegida de uma propriedade ultrapassa o mínimo exigido por lei, o proprietário pode gerar Cotas de Reserva Ambiental (CRA). Essas cotas representam uma oportunidade de remuneração, já que podem ser comercializadas no mercado de ativos florestais ou usadas como lastro para programas de pagamento por serviços ambientais.
“O proprietário recebe por manter a vegetação de pé, contribuindo para a preservação do meio ambiente. Isso pode ser feito por meio de programas governamentais ou da iniciativa privada”, explica Felipe Nunes, pesquisador da UFMG e coautor do estudo. Os serviços ambientais incluem o sequestro de carbono, a conservação da biodiversidade e a proteção de recursos hídricos.
Déficits de Vegetação e a Necessidade de Restauração
Apesar das oportunidades oferecidas pelo Código Florestal, muitos proprietários ainda enfrentam desafios para se adequar à legislação. O estudo identificou 21 milhões de hectares desmatados que precisam ser restaurados ou compensados. Essa regularização pode ser feita de várias formas, como:
- Restauração da vegetação nativa na própria propriedade;
- Compensação em outras áreas com excedente de vegetação nativa;
- Adesão a programas de regularização ambiental previstos pela lei.
Entretanto, o custo da restauração geralmente recai sobre os proprietários rurais, o que pode dificultar o cumprimento das normas. Além disso, o estudo destacou que cerca de 26% do desmatamento recente ocorreu em Áreas de Preservação Permanente (APP) ou em propriedades com reserva legal abaixo do mínimo exigido.
Os estados mais afetados, todos localizados na Amazônia Legal, incluem Rondônia, Acre, Pará, Roraima e Amazonas. Esse cenário evidencia a necessidade de ações mais incisivas para combater o desmatamento ilegal e promover a recuperação de áreas degradadas.
O Cadastro Ambiental Rural e os Desafios do Monitoramento
O Cadastro Ambiental Rural (CAR), criado como um instrumento para monitorar propriedades rurais e combater o desmatamento, enfrenta limitações importantes. O estudo revelou a existência de mais de 200 mil registros irregulares, incluindo sobreposições com terras indígenas, unidades de conservação e terras públicas sem destinação específica.
Essas irregularidades comprometem a eficácia do sistema e destacam a necessidade de melhorias. “O CAR precisa integrar tecnologias que impeçam registros sobre áreas protegidas e remover cadastros fraudulentos já existentes”, alerta Felipe Nunes. Segundo ele, essas falhas enfraquecem o combate ao desmatamento ilegal e à grilagem de terras, práticas que continuam ameaçando o patrimônio natural brasileiro.
Uma Potência em Sustentabilidade Agroambiental
Com uma vasta área de vegetação nativa e uma das agriculturas mais produtivas do mundo, o Brasil tem potencial para se tornar uma liderança global em sustentabilidade. O desenvolvimento de programas de pagamento por serviços ambientais e restauração florestal poderia consolidar o país como uma potência agroambiental, alinhando a produção agrícola à preservação ambiental.
“O maior ativo do Brasil é o seu patrimônio florestal. Com milhões de hectares preservados e uma agricultura pujante, o país pode liderar uma nova agenda mundial de sustentabilidade”, destaca Nunes. Ele também ressalta que, além de contribuir para a conservação da biodiversidade e o combate às mudanças climáticas, essas iniciativas podem gerar novas fontes de renda para proprietários rurais e comunidades locais.
Conclusão
O futuro do Brasil como líder em sustentabilidade depende de ações integradas que promovam a conservação ambiental e o desenvolvimento econômico. O Código Florestal oferece um marco legal robusto, mas desafios como a restauração de áreas degradadas, a regularização de propriedades e o aprimoramento do CAR precisam ser enfrentados com urgência.
Com planejamento estratégico, o país pode transformar seu patrimônio natural em uma vantagem econômica, unindo preservação ambiental e progresso socioeconômico. As soluções para esses desafios podem posicionar o Brasil como referência global em sustentabilidade, demonstrando que é possível conciliar desenvolvimento e conservação em larga escala.