O uso de agrotóxicos no Brasil continua a ser um tema preocupante, especialmente com o aumento significativo nos casos de contaminação registrados em 2024. De acordo com o relatório da Comissão Pastoral da Terra (CPT), o número de incidentes nos primeiros seis meses do ano cresceu impressionantes 850% em comparação com o mesmo período de 2023. Foram contabilizados 182 casos de contaminação em 2024, frente a apenas 19 no ano anterior, o que destaca a gravidade do problema.
Maranhão: Epicentro da Contaminação
O estado do Maranhão concentrou a maior parte dos registros, com 156 ocorrências, resultado da pulverização aérea de agrotóxicos que tem afetado severamente as comunidades locais. Essa prática não apenas compromete a saúde das pessoas, mas também prejudica o meio ambiente e os modos de vida tradicionais.
Valéria Pereira Santos, da Coordenação Nacional da CPT, enfatiza que a contaminação por agrotóxicos é uma forma de violência que está diretamente ligada à expansão da fronteira agrícola e ao avanço das monoculturas transgênicas, altamente dependentes de pesticidas.
“Em 2024, o Maranhão foi o estado com maior número de ocorrências devido à articulação das comunidades, que intensificaram as denúncias contra a pulverização aérea”, explica Valéria. Como parte da resistência, está em curso uma campanha para aprovação de um projeto de lei que proíba a pulverização aérea no estado.
Pulverização Aérea: Prática Questionada
A pulverização aérea de agrotóxicos, apesar de amplamente utilizada no Brasil, enfrenta críticas e restrições em várias partes do mundo. Na União Europeia, por exemplo, essa prática está proibida desde 2009 devido aos riscos comprovados para a saúde pública e o meio ambiente.
No Brasil, o estado do Ceará liderou a proibição da chamada “chuva de veneno”. Essa legislação foi contestada por entidades do agronegócio, mas em 2023, o Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou sua constitucionalidade, reconhecendo os graves riscos associados à prática.
Outros estados, como São Paulo, Paraná, Mato Grosso, Minas Gerais e o próprio Maranhão, discutem projetos semelhantes. Na esfera federal, também há iniciativas legislativas em tramitação visando proibir a pulverização aérea em todo o território nacional.
Violência no Campo: Cenário Preocupante
O relatório da CPT também destacou que, embora tenha havido uma leve queda nos conflitos no campo em 2024, o número de incidentes ainda é alarmante. Nos primeiros seis meses do ano, foram registradas 1.056 ocorrências de conflitos relacionados à posse da terra e ao uso do território, uma redução em relação ao recorde de 1.127 casos em 2023.
Entre as formas de violência analisadas, houve aumento nas ameaças de expulsão, que passaram de 44 casos em 2023 para 77 em 2024. Apesar disso, ações como grilagem, invasões e pistolagem mostraram redução.
O levantamento aponta que os posseiros — famílias que habitam terras sem titulação formal — foram as principais vítimas, com 235 casos, seguidos por indígenas (220), quilombolas (116) e integrantes do Movimento Sem-Terra (92).
Trabalho Escravo: Realidade Persistente
A exploração do trabalho em condições análogas à escravidão também segue sendo um desafio no Brasil rural. Em 2024, houve uma redução no número de casos e trabalhadores resgatados em relação ao ano anterior. Foram 59 ocorrências e 441 trabalhadores libertados, frente a 98 casos e 1.395 resgates em 2023.
Minas Gerais liderou em número de ocorrências, enquanto o Amazonas registrou o maior número de trabalhadores resgatados, principalmente em atividades de desmatamento e garimpo. O agronegócio e a mineração continuam sendo os setores mais associados a essas práticas abusivas.
Soluções e Mobilização
Os dados apresentados pela CPT são um alerta para a urgência de medidas que enfrentem os desafios do campo. Entre as principais ações necessárias estão:
- Reforço na fiscalização do uso de agrotóxicos, com punições para irregularidades;
- Aprovação de leis que proíbam a pulverização aérea, especialmente em áreas próximas a comunidades;
- Maior apoio a iniciativas que promovam a transição para uma agricultura mais sustentável, com foco na redução de agrotóxicos;
- Investimento em políticas públicas para a titulação de terras e proteção dos direitos das populações vulneráveis.
Conclusão
O cenário descrito pelo relatório da CPT evidencia que a contaminação por agrotóxicos e os conflitos no campo não são apenas problemas ambientais ou de saúde pública, mas também questões de justiça social. A mobilização de comunidades e organizações tem desempenhado um papel crucial na denúncia e no enfrentamento dessas violações.
É fundamental que sociedade, governos e setor produtivo trabalhem juntos para buscar soluções que conciliem produção agrícola e preservação da vida, garantindo um futuro mais justo e sustentável para o campo brasileiro.